sexta-feira, 13 de maio de 2011

A hospitalidade de L´Hospitalet.... E as vacas 4!!!!


......................Depois de uma noite a tentar dormir com um bando de alemães na tenda ao lado toda a noite a dar à matraca “hains vains raufs raufs niche niche”, estavão criadas condições para que as 8 da matina eu já estivesse de mala aviada e pronto para me fazer ao asfalto de Andorra. Duas horas depois de começar a andar e já com a cidade de Andorra-A-Velha a fazer parte do passado, acendeu-se-me a luz da reserva. Fiz uma pausa para trincar uns hidratos de carbono, uma maça, e dar uns goles numa garrafa da mais famosa bebida do mundo!!?? Coca Cola!!?? Não!! Águinha del cano!! ;) Depois do tanque atestado esbocei as linhas que inspiraram esta narrativa e ainda tive tempo para tentar rabiscar no papel a paisagem que se espraiava à minha frente!! Lindo!! Pareço um puto de 5 anos com uma caneta nas mãos... Estão a ver um puto de joelhos no chão de rabo pro ar a segurar a caneta com os 5 dedos, mão fechada, ponta da língua a sair pelo canto da boca enquanto esgaravata tinta numa folha de papel!!?? Pronto eu desenho assim!! Que bom que é!!! ;)

...........................Mais uma vez a minha veia verborriante saltou ao de cima quando constatei que a relva que pisava era sintética!!! No meio de uma natureza imensa, relva de plástico... feio, muito feio!! O resto da manhã foi feita a andar. Não tenho memoria de sentir a energia que senti neste dia!! Até ás treze horas da tarde galguei alcatrão com uma agilidade e vontade incrível. De Andorra a Soldeu, pequena localidade antes da fronteira com França, 90% do caminho é feito a subir. Recordo ter passado por uma senhora idosa que não estava muito bem. Ofereci-me para a ajudar, recusou, disse que estava bem, que só precisava de um pouco de descanso... aquela senhora ficou no meu pensamento por algum tempo. Espero que tenha chegado bem!!


A vermelho, o meu percurso neste dia!


..........................Soldeu é localidade para ter 400 habitantes. Entre eles, pelo menos duas Portuguesas. A menina que trabalhava no café onde comprei o magnum(2,5€ por um gelado!!!? Fo...nix!!!), e a senhora que me disse onde ficava a mercearia da terra. Povo danado este Lusitano, mete-se em tudo o que é buraco!! Depois de abastecido começou a primeira aventura de montanha! A tal em que durante a penosa subida pedi ajuda/energia para continuar ás árvores, ao sol, as nuvens, á montanha e ao riacho que nascia mesmo ali e de onde bebi a melhor água do mundo!! Sem eles não teria conseguido. No cimo sentei-me agradeci e senti a magia da natureza naquele sitio. Corriam-me algumas lágrimas pelo rosto, e voltei a agradecer a oportunidade de estar a viver aquele momento. Escrevi mais um pouco do que me ia na alma, e agradeci.

...........................Ali mesmo nascia uma escarpa que desaparecia por entre as nuvens, e para a direita seguia um carreiro acessível e seguro... segui por este mas não por muito tempo. Acreditas na tua intuição/instinto!? Que ninguém melhor que tu sabe o que é melhor para ti!? Então escuta o que tens para te dizer e talvez não te queixes tanto das escolhas que tu próprio fazes na vida!!

............................Parei de seguir o carreiro 20 metros depois de ter começado. Senti dentro de mim que aquele não era o caminho que eu buscava! Voltei para trás olhei para a ravina e disse em vós alta:

-Quem disse que as coisas boas da vida vêm num embrulho bonito!?

...........................E lancei-me escarpa abaixo por entre as nuvens. Senti uma enxurrada de pedras a rebolar de baixo dos pés! Depressa o sol desapareceu e em seu lugar uma escuridão típica de um dia de inverno tomou conta do espaço. Senti uma quase incerteza sobre o sitio onde me encontrava. O som dos chocalhos pendurados ao pescoço dos bovinos e o piar estridente de uma qualquer rapina era o único som que de vez em vez tinha força para romper o nevoeiro. Descer a montanha por rochas soltas, terrenos lamacentos onde desponta um novo ribeiro, pasto carregado por gotículas de água deixadas pelo nevoeiro, seguir o trilho de manadas de vacas que se deslocam pelas encostas em busca de alimento, deixou-me completamente encharcado da cintura para baixo. As botas ensopadas em excremento de vaca. Por momentos senti-me perdido. A meio da encosta um agricultor informou-me que ali ainda era Andorra, que uns Km mais abaixo e estaria em França. Tive a sensação que o nevoeiro se adensou momentos antes de se dissipar para deixar resplandecer o sopé da montanha, onde ao longe no vale serpenteava uma estrada. Senti-me seguro e caminhei mais entusiasmado. Parei para apreciar os campos, onde mais vacas pastavam, e onde de vez em vez era possível ver o encanto de um veado selvagem que se assustava com a minha presença. Foi a primeira vez que os vi assim livres. E por momentos pude sentir neles a alegria de o serem!!

L´Hospitalet-prés-l´Andorre


.................................12 horas e meia depois de sair de Andorra-a-Velha estava em L´Hospitalet-prés-l´Andorre Uma pequena aldeia situada nos contra fortes dos Pirenéus franceses. Arrendei uma cama na única estalagem da terra. Ai tive direito a uma refeição quente, a possibilidade de lavar a roupa e as botas. Ao serão partilhei ideias e experiências com um casal francês, um outro Suíço e mais um caminhante solitário de montanha como eu.

..................Naquela noite e pela primeira vez alguém me chamou de extremista...!! De forma alguma condeno ou julgo o meu interlocutor. Antes paro, penso e analiso o que o levou a afirmar tal coisa! Por vezes entusiasmo-me tanto com o dissertar de ideias, e tenho tanta vontade de exprimir e fazer prevalecer o que sinto que corro o risco de fazer passar uma ideia errada do que realmente quero e penso!!

Pela manhã apenas as botas não estavam enxutas. Nada que 2 sacos de plástico entre estas e as meias não resolvessem. Sai mais uma vez cedo e comecei a andar ao sabor da estrada sem saber ainda para onde ir. Caminhei toda a manhã ao ritmo de uma chuva miudinha apelidada de “molha parvos”!! Ou a chuva teve pena de mim, ou então não sou parvo. Apenas algumas gotículas solitárias repousavam em mim. Insuficientes para me provocar um desconforto encharcado. Os 18 Km que percorri entre L'Hospitalet e Ax-Les-Thermes proporcionaram-me a oportunidade de apreciar a montanha a partir do vale. Lindo!! Ax-Les-Thermes é a vila de transição entre a montanha e a planície. Famosa pelas suas termas, é possível a qualquer viajante parar mesmo ali à beira da estrada e mergulhar os pés na piscina termal... Na companhia de mais 30 ou 40 pares de pés!! Fica para uma próxima, para mim é muito pé junto no mesmo tanque!! Talvez não tivesse percorrido mais de 2 Km quando a chuva ameaçou que era desta que me ia ensopar os ossos. Entrei na estação de comboios de Ax-Les-Thermes tirei a mochila das costas, encostei-a à parede e pensei:”... não era assim que eu queria fazer esta viagem... !!” Perguntei ao rapaz do guiché o preço de um bilhete para Toulouse!! E mais uma vez fui capaz de ouvir o que eu tinha para me dizer!! Ao por a mão na mochila o meu instinto foi coloca-la de novo ás costa e sem mais sai porta fora em direcção á estrada. Voltei a caminhar, voltei a levantar o polegar e 5 minutos depois estava no banco de trás de um Peugeot 206 que se dirigia para Toulouse!!


O tal “tanque” termal de que vos falava

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Se faltar alguma coisinha diga. Sim!!??... Parte 3!!

.............Barcelona! Acordei com o solavanco provocado pela travagem da composição na estação central da cidade. Saí do comboio ainda meio estremunhado e completamente ás aranhas sem saber para que direcção me virar. Estava a levar a mão à cabeça para lhe aplicar uma leve coçadela enquanto pensava “ onde raio me vim meter!?!” Por aqueles túneis chovia gente de todos os lados. Atrasadissimos, claro está!! Corriam desalmados em todas as direcções sem se aperceberem que empurravam tudo e todos como se disso dependessem as suas vidas. Quando senti um toque no ombro, volto-me e vejo uma jovem, mais ou menos da minha idade, que me perguntava se sabia onde ficava a saída para o metro!! Respondi-lhe que não fazia a mínima ideia, que também eu tinha acabado de aterrar ali e que não sabia para onde me virar! Ela seguíu o seu caminho e eu comecei a palmilhar aqueles corredores sem saber bem o que fazia na esperança de encontrar nem sei bem o quê que me iluminasse. Mas o destino ou seja lá o que for teimou que aquela moçoila viria a ser o meu anjo da guarda naquele dia! E enquanto eu arregalava os olhos num mapa do metro da cidade, reparo que a meu lado lá estava toda sorridente também ela a tentar descortinar uma forma de sair daquele labirinto.

De uma simpatia difícil de encontrar nos dias de hoje disse-me que tinha viajado desde Buenos Aires, vinha em trabalho e que estava á procura da linha de metro que a iria levar ao Hostel onde tinha feito a reserva para passar a noite. Eu que acredito que nada acontece por acaso saltou-me logo à cabeça a razão pela qual ela estava ali comigo. Não tinha onde passara noite, e ficar no meio da rua em Barcelona não me estava a soar muito bem! Apresentei-me, ela apresentou-se, contei-lhe um bocadinho da minha historia e perguntei se podia ir com ela até ao hostel, na esperança de que ainda por lá estivesse guardado um quartito para mim...

E não é que os gajos tinham lá um quartito para mim!? Em Agosto num dos hostels mais requisitados de Barcelona que só aceita reservas com antecedência havia uma cama para eu descansar os ossos!! Quais são as probabilidades disto acontecer!? Alguém que tenha tempo para calcular que depois me informe. Obrigado!! A tal cama ficava num quarto misto cheio de malta de olhos em bico de maquinas de fotografar/filmar/tirar imperial/coser botões/e sei lá que mais ao pescoço que cada vez vez que passavam por mim faziam uma vénia e rião-se baixinho (estrangeiros, está visto...).

Instalei-me na única cama livre do quarto e logo que tive oportunidade saltei para dentro do chuveiro completamente vestido!! De champô nas unhas só pensava em tirar o surro do corpo e da roupa. Por lá fiquei de molho mais de meia hora a esfregar atrás das orelhas e em outros recantos onde se pudesse esconder um qualquer grão de poeira e um ou outro odor mais teimoso. Sai dali, espremi e pendurei a roupa nos ferros da cama na esperança de que as horas nocturnas fossem suficientes para a secar e fui dormir. Acordei cedinho e palpei um par de meias ainda encharcado... Deixei escorregar uns palavrões e enquanto tomava o pequeno almoço uma maquina de secar do hostel papava-me 3€ para me secar a roupa. Triturava um croissant com os molares, e de tal forma estava absorvido nos meus pensamentos que nem tinha reparado que sentada a meu lado já estava a Argentina Mariza! Acompanhada de uma recém amiga de nome Yoog Way oriunda da Malásia.“ Ola, Hellofomos-nos apresentando, conversamos um pouco e ali pelo meio convidaram-me para as acompanhar numa visita as obras arquitectonicas de um tal de Antoni Gaudí!! Depois do pequeno almoço e de ter recolhido a roupa já enxuta, lá fomos nós à descoberta de Gaudí. Um grupo bastante peculiar. Um Português, uma Argentina e uma Malaia!

Agora Gaudí!! Um arquitecto genial, confundido com um louco... ou talvez um louco confundido com um arquitecto!!?? Este pormenor ficou por explicar. Mas o que importa referir é que este tal de Gaudí tinha uma pancadinha naquela tola difícil de encontrar por aí!! O gajo teve a coragem de desafiar todas as leis arquitectónicas estabelecidas até então. E provou que é possível fazer o que nos dá na telha. Gaudí mostrou que é possível ser-se livre!! Basta querer;)!! Mas não o fez sozinho. Consegui-o convencer um tipo cheio de pasta, um tal de Eusebi Guell, que lhe encomendou algumas das suas obras mais arrojadas, a financiar algumas das suas loucuras... perdão obras!! O irónico desta ligação é que Gaudí consegui levar o Sr. Eusebi á falência com as suas extravagâncias. Gaudí foi tão original na vida como na morte. Morreu atropelado por um eléctrico!! Sim, aqueles “comboios” citadinos que andão devagarinho em cima de uns carris pequeninos, rentinhos ao chão... como é que o gajo se meteu debaixo daquilo, é outro mistério a desvendar!! Extravagâncias de artista, está visto!!

Ainda a bater na tecla Gaudí,e depois de apreciar 3 ou 4 das suas mais famosas obras, Casa Milá, Casa Batlló, etc, a mais impressionante obra idealizada por este arquitecto é sem duvida o Templo Expiatório da Sagrada Família!! Um mamarracho de pedra e betão que acredito ainda o faz dar saltos e voltas na tumba. Primeiro porque quase 100 anos após a sua morte ainda não está concluída( qualquer artista deve ter prazer em ver e admirar a sua obra), e não se vislumbram grandes previsões sobre a data de conclusão. Se fosse em Portugal adivinhava-se já a causa deste atraso. Derrapagem financeira está claro, mas como é na terra dos “nostros ermanos” desconheço...!! A outra razão pela qual, quanto a mim o tipo continua a dar saltos no caixote, e vai continuar a saltar até que lhe doam os ossos, é que na fachada onde está representada a prisão de Cristo, os guardas foram inspirados, e pasmes-se, na guerra das estrelas!! Será que Gaudí era assim tão visionário que já previa que Anakim Skywalker se iria virar para o lado negro da força e transformar-se no arquei vilão Darth Vader!!?? Ou será que um qualquer espertalhão alterou a ideia original de Gaudi na esperança de melhorar a obra!? Ou simplesmente para ter o seu nome ligado á grande obra do grande arquitecto!!? Bom seja lá por que razão for depois desta obra senti que tinha chegado a hora de deixar Barcelona. Porque não sou pessoa de “cidade”, mas também porque Barcelona não era o meu destino. Despedi-me das minhas novas amigas e fiz-lhes prometer que me enviariam as fotos que tiramos juntos naquela manhã... 8 meses depois nada!! É compreensível. Argentina e Malásia é longe!! E se as fotos se atiraram ao caminho a pé com um saquito as costas, assim como eu!!?? Tudo isto leva o seu tempo!!

Depois da visita e de ter voltado ao Hostel para recolher os meus pertences ainda tivemos tempo para passar num mercado local e provar o belo do presunto Espanhol!! “ me encanta el jamón Español!!!” O que também "me encanta" em Barcelona é a quantidade de monumentos que se passeiam pela cidade nas horas do calor vestidinhas com uma falta de roupa bastante agradável!!!

A meio da tarde começou a chover... Chover nem é bem o termo, desabava água com uma fúria dilúvica, e abandonar a cidade à boleia ou pé com aquela enxurrada não me pareceu boa ideia. E assim fiz batota pela segunda vez e comprei um bilhete de autocarro para Andorra.

Acampei ali num cantinho do parque de campismo da cidade, e pela primeira vez senti que os 11€... Sim 11, que dei pela tenda foram muito mal empregues. Da estrutura, à resistência, esta provou que foi feita para ser usada apenas uma vez... E com esta já era a segunda noite que ia levar comigo... Consegui partir-lhe um dos “pilares” enquanto a montava... a tenda, claro!! Deslarguei mais uns palavrões, e enrrosquei-me para dormir!!........