segunda-feira, 21 de março de 2011

Não quero que vos falte, mesmo nada... Parte 2!!

............Não posso dizer que este dia tenha corrido mal. Mas não foi com certeza um dos mais gloriosos. Nunca vos aconteceu fazer meia dúzia de alarvidades seguidas, ter consciência de que se esta a “meter a pata na poça” e mesmo assim continuar a encharcar as meias de lama!!?? Pois bem este quarto dia passou-se mais ou menos assim. Acordei como já vos disse todo retorcido por ter passado a noite com as costas apoiadas numas ripas de um banco de jardim ( senti-me como se tivesse feito uma daquelas massagens japonesas de “x-acto”!!). Saltei para a berma da estrada e comecei a caminhar e a pedir boleia. Direcção Barcelona! Estava nisto à mais de uma hora, com o braço e o polegar cheinhos de caimbras (ninguém parava) e fartinho de chamar nomes aos espanhóis, quando um veiculo fez sinal que ia encostar. Até que enfim, pensei eu já com um sorriso nos lábios e a retirar todas as bacoradas com que tinha insultado os “noestros ermanos” até então!

Mas logo tive que guardar o riso no bolso quando constatei que se tratava de um veiculo da guarda civil espanhola a informar-me que não podia pedir boleia nem circular a pé por aquela estrada!! Não por esta ser uma auto-estrada, não o era, mas porque a via estava em obras.... Mas onde raio estava eu com a carola!!?? A pedir boleia as 7 da manha, hora de ponta, numa estrada em obras cheia de pinos e barreiras de segurança!! Só então percebi porque é que de vez em vez um condutor buzinava e fazia uns gestos pouco amigáveis com os dedos. Mesmo que alguém quisesse parar não podia, não tinha berma para o fazer!! Cumpri o que restava da distancia até ao próximo ramal de acesso à via rápida por um caminho de terra batida paralelo à mesma. O calor e o peso da mochila fustigaram-me o corpo durante as quase 2 horas de caminhada até ao referido ramal. Cheguei quase sem água.

Eu que me considero um individuo educado, de boas famílias, pleno de espírito, bastante ajuizado e equilibrado, não consegui resistir á tentação de continuar a apelidar aquela gente, que teimava fingir que não me via, com as mais distintas alarvidades que me escorriam pelo corpo juntamente com uma enxurrada de gotículas de suor!! “Ok, já entendi. Em Espanha ninguém dá boleia a ninguém!!” E depois quando finalmente alguém parou, fiquei estupefacto com o que vi. Um tipo com uma carrinha RENAULT EXPRESSE carregadinha de ferro velho!! Havia uma carcaça de um ferro de engomar, uma coisa que pelo aspecto já teria sido uma cadeira e um emaranhado de fios e cabos no lugar do pendura. O que estava na caixa de carga era indescritível. Mas como raio é que eu me ia sentar ali!!?? Tive que agradecer a amabilidade do senhor e rejeitar a boleia! Disse mal à minha vida, abri o missal e soltei uma verborrial (diarreia verbal) salve-rainha capaz de envergonhar até o mais alarve dos “Fernandos Rochas” de Portugal!!

Por ali fui ficando á espera que alguma alma caridosa me tirasse daquela torreira. Mais hora menos hora não faço a mínima ideia quanto tempo fiquei por ali. Mas não pensem vocês que estar parado à espera que alguém se resolva a por o pé no travão e acomodar no seu carro um perfeito desconhecido é pura e simplesmente perca de tempo. É incrível o que se pode ler no rosto de quem olha para o gajo que está parado à beira da estrada a pedir boleia com a mais natural cara de pau do mundo. Apercebi-me de que as pessoas vivem aterrorizadas! Nos rostos de quem olhava para mim era possível vislumbrar sinais de medo e reprovação! Por varias vezes senti-me na pele de um criminoso, um possível psicopata assassino, violador de velhinhas indefesas, ladrão de chupa chupas... !? Eu!!?? Pensando bem eu até os compreendo!! O tipo de pessoa que transparecia este tipo de sentimentos normalmente circulava em veículos de gama alta, tinha um aspecto mais cuidado, economicamente abastadas, boa posição social... seja lá o que isso for!!

A conclusão a que eu chego é que seja qual for que tenha sido o plano inicial para o Homem alcançar a felicidade, há muito tempo que nos desviamos da rota. A nossa preocupação é a de andamos bem vestidos, de termos um bom carro e uma boa casa, um bom emprego... uma boa posição social...( fartinho que eu estou de ouvir falar nesta tal de “posição sex... social”!! deve ser uma posição... óptima!! Mas não faço a mínima do que possa ser... alguém me pode explicar do que se trata!!?? Obrigado pela atenção!!!!) Ou seja derretemos o nosso tempo de vida a juntar tralha que por qualquer infortúnio pode desaparecer de um momento para o outro. E o mais estranho é que temos a perfeita noção que este não é o caminho. Mas estranhamente continuamos a palmilha-lo!! E depois vivemos a vida acagaçados com um pavor dos diabos que alguém ou algo nos deixe com uma mão à frente e outra atrás!!!... Fugimos das pessoas, de fazer amigos, ouvir historias, experiências de vida que não as nossas, criar e viver a nossa própria vida. Ouvimos, vemos e acreditamos apenas nas diarreias verbais que os canais de televisão, jornais e revistas da treta nos injectam. Não temos ideias próprias, perdemos a nossa unicissidade!! A nossa vida passa a ser a da Biba Pita, a da Cinha e a da Lili!!

“COMA!!! BEBA!!! USE!!! VISTA!!! COMPRE!!! TENHA MEDO!!! FAÇA!!! NÃO FAÇA!!! VÁ!!! NÃO VÁ!!! FAÇA COMO EU, EU É QUE SEI!!! NÃO FALE COM ESTRANHOS!!!!”

...............!!????E SE FOSSEIS TODOS PÓ CA...... RAIO QUE VOS PARTA!!!!!

Quero abrir aqui um parêntese e fazer um pedido a quem ler estas linhas.

...............Alguém me explique este tipo de felicidade!!?? Alguém me ilumine o caminho para que eu também possa ver a lu!!.... Fartinho que eu ando de dar com a cabeça nos postes da luz eléctrica!! Ca mona carregadinha de galos!!!

Espera!!! Vocês perceberam mal!!! Eu não quero que toda a gente pare para me dar boleia!! Não!!! Até que eu sou grande mas sou só um!!!! Mas acreditem que o meu tempo seria mais bem passado, eu seria mais feliz, se não tivesse que ver tanto medo, desespero, insegurança e tão pouca vontade de estar vivo nos rostos de tanta gente!!!!

Estava eu a atascar a fornalha da minha cabeça com os poucos neurónios que ainda por cá sobrevivem com estes pensamentos quando pára um sexuagenario que amavelmente me pergunta para onde vou!! Eu quero é lá saber para onde vou!! Eu quero é cavar dali para fora!! Saltei para dentro da carrinha e informei o senhor que me dirigia para Barcelona, ao que me respondeu que estava no caminho certo, mas que à boleia não ia lá chegar tão cedo. Por aqueles lados ninguém dá boleia a ninguém... Pois, já tinha dado por ela!!

Produtor de tomates( fiquei com molho de tomate e grainhas agarradas ás correias da mochila por mais de duas semanas) falou-me orgulhosamente do seu oficio e que todos os anos doava à vila de Bunhol umas toneladas de tomate para a festa da TOMATINA. Se não sabem o que é, não sabem o que perdem;)!! Para mais informações vão à net ver umas fotos, ou desloquem-se ao local!!

30 km foi a distancia que o senhor dos tomates me pode dispensar. Ainda não era uma hora da tarde e já estava outra vez a levar negas dos Espanhóis!! Neste dia fiz batota pela primeira vez. Estava ali mesmo à mão de semear, 20 minutos a pé, uma estação de comboios. Não sei se foi castigo ou estupidez, aqui o agarrado para poupar 15 € comprou um bilhete para Barcelona num comboio que passava as 18:30, quando dali a 20 minutos ia passar um outro com o mesmo destino, 15€ mais caro.... Eram pouco mais que 13:00 da tarde!!! Refastelei este corpo castigado pelas ripas do banco da noite anterior, e pelo calor, num banco de ripas de madeira da estação. Tentei dormir, esbocei estas linhas e tive que explicar ao segurança da estação porque raio estava eu ali sentado à horas!! “Tuspido”!!!! quando me vi dentro do comboio tive a certeza de ter chegado ao céu. Dormi como um anjo!!....”Tuspido”!! ;)

quarta-feira, 2 de março de 2011

Não quero que vos falte nada... Parte 1!!

...............Tenho ainda entaladas na memoria um monte percalços e situações que não foram ainda divulgadas. Ou por preguiça ( pouquinha, mas bem esticadinha dá para fazer milagres!) ou por... Preguiça!! Varias foram as razões pelas quais alguns momento que considero importantes ficaram de fora!! E como o tempo é bastante eficaz a apagar traços e riscos da memoria( digo memoria e não cabeça!! Para essa o tempo tem como passatempo favorito enche-la de riscos e traços!!), achei por bem voltar atrás, e sem querer ser maçador fazer registo das mesmas. Sendo assim resolvi viajar no tempo e olhar para a “coisa” ainda meio como um embrião!!

Todos os dias me passam coisas, pensamentos e ideias pela cabeça que não lembra ao diabo! E desde que me lembro de ser o que sou, que não é raro alguém me dizer: “Ó pá, ó Zé tu pensas em cada coisa!!” Felizmente que algumas dessas coisas á mesma velocidade que aparecem, também desaparecem!!

Ideias são assim como uma multidão de espermatozóides loucos ás cabeçadas a tudo quanto é parede mas que eventualmente acabam por ficar pelo caminho. Porem de vez em vez há uma, que porquê não sei, se agarra a um neurónio mais descuidado. E lá arranja forma de se fazer ouvir mais uma vez no meio de mais uma enxurrada de tantas outras que acabam por se desvanecer. Uma pequena semente que á força de fazer eco dentro da cabeça começa a crescer e a incomodar. “ E se um dia eu sai-se daqui, à aventura, mochila as costas!?” !! A ideia vem uma e outra vez. Mas é ainda tão pequenina que a comparo a uma semente de carvalho que acabou de brotar 2 folhinhas ao sol.

O tempo passa e a ideia cresce tanto que deixa de aparecer misturada com outras. Ocupa um espaço tal que qualquer outra ideia que se queira fixar, não pode!! A não ser que esteja relacionada com o gigantesco “carvalho” em que a semente/ideia se tornou!! Não sei quanto tempo a ideia de sair de casa rumo ao desconhecido levou para ganhar corpo dentro de mim. Sei que não surgiu sem mais nem menos. Sei que pensei nisto durante anos. Sei que cheguei a pensar que não passava de uma ideia tola, e que o dia da sua concretização estava tão distante que eu próprio não o chegaria a ver!

À quem lhe tivesse chamado coragem... Não digo que não houvesse uma pitada disso no feixe de razões que me levaram a seguir esta ideia/instinto. Mas havia algo mais. Desespero, saturação, vontade de viver ver e conhecer, libertação... Eu sei lá que mais!! A vida que vivia não me completava ao ponto que sem fazer quase qualquer plano, e ferrando umas mentiras acerca do que andava a planear – eu sei que não se faz! Mas a ultima coisa que eu precisava de ouvir, era o “conselho” de um qualquer amigo/conhecido, a dizer: “mas tu estas louco!!?? Perdeste a cabeça!!??” Para uma mais que provável resposta: “Sim!! E vou ver se a encontro por ai!!”

Ainda a debater a origem da semente, acho que foi excesso de pó na cabeça!! Talvez a memoria mais antiga tivesse origem em 2003/4. Altura em que ia ganhar os trocos para copos e ramboia a manobrar um dumper numa pedreira ali no concelho de Pombal. Pairava por aqueles lados tanto pó de pedra, num ambiente por vezes tão sufocante, que penso terá sido ai que se reunirão as condições para florescer tal pensamento. Era o meu subconsciente a tentar livrar-se de tamanho sufoco!! Assim como um rolinho de cotão debaixo da cama. Esta lá mas não incomoda! Deixa estar. Sai para a próxima! Tanto rebolou que ali para alturas da Primavera de 2010, estava tão grande, que todos os dias ao acordar a primeira coisa que me vinha á cabeça era. “PIRATE DAQUI PARA FORA!! MAS NEM PENSES PARA ONDE!! VAI... OLHA... VAI VER A NORUEGA!!” Não fazia a mínima ideia, nem faço, o porquê de ser a Noruega!! Talvez, arbitrava eu, por ter visto no passado umas imagens dos Fjordes e ter ficado encantado com a beleza natural do país!! A ideia de sair assim de casa a pé sem destino definido soa a loucura!! E então para aqueles que estão mais próximos de nós, namorada, família, amigos, soa a necessidade de apoio psicológico! Não estava disposto a parar por nada. Aos mais chegados(namorada e familiares directos) contei as primeiras razões que me empurravam nessa direcção, aos outros inventei um contracto de trabalho para Londres... pouco credível, mas eficaz!!

Ok!! É para ir à aventura mas à que pensar no que vou levar!! Posso dizer que nem tudo o que fui metendo em cima da mesa lá de casa saio comigo. A mesa era assim como o pedestal do plano estratégico. Lá, durante 2 meses fui colocando o que achava que poderia ser necessário para a viagem. Não foram raras as vezes que dei com a minha mãe a olhar para aquela “tenda”, como ela lhe chamava, e a adivinhar-lhe os pensamentos. “Mas que raio anda aquele garoto a tramar!!??”

- Zé Luís!! Para que é isto aqui!? Eu não quero ver esta tenda aqui, quero limpar e isto estorva-me.... vai tudo pó olho da rua!!!

- Deixe lá estar isso que não vai ser por muito tempo!!

Ainda ela não tinha noção da enxurrada de lágrimas que aquela “tenda” lhe iria provocar!

- Mas ó filho tu vais para onde!!?? Não faças isso!!!

Imagino que para uma mãe ver sair um filho de casa com uma mochila as costas, a pé e a dizer que vai em direcção à Noruega, deve doer mais que uma valente martelada numa unha... E garanto que a martelada na unha dá vontade de fugir para longe e deixar ali mesmo a unha, o dedo e a mão!! Entre a tralha que por lá esperava o grande dia, estava uma mochila xpto, que segundo o tipo que ma vendeu, era o ultimo grito para este tipo de epopeias. Bem, pensei eu, com tanto pormenor hi tech posso carregar isto ao máximo que ela vai sozinha, nem sinto o peso nas costas!! Treta! E 125 “aérios”!!?? Cheguei a ponderar a hipótese de carregar os meus pertences num saco de asas do “CONTINENTE”. Sempre me ficava mais em conta! Um par de botas para caminhada, umas peças de roupa, um estojo com produtos de higiene pessoal. Se vou andar à boleia tenho que andar limpinho!! Um outro com umas ferramentas de sobrevivência, cana de pesca(não fosse dar-me a larica à beira de um qualquer riacho),faquita de mato... é uma faca pequenina, não quero parecer o Rambo!! Um skate.... Um skate!!?? Mas para que diabo quero eu um skate!!?? Ainda se eu soubesse equilibrar-me em cima daquilo!! Ficou pelo caminho. Um cajado para me apoiar, que mais estorvava que ajudava... ficou numa qualquer valeta!! Ao fim de contas cheguei à conclusão que metade da tralha que por lá estava não me iria servir para nada. Ficou na mesa ou pelo caminho!!

Depois dos primeiros km, da primeira noite “acampada” no jardim da vila de Ansião, da segunda dentro de um camião algures em Espanha, e da valente tromba de água nas praias de Valência, achei por bem arrumar a “tenda” ( tencionava passar a noite na praia, mas a chuvada fez-me mudar de ideias ) e rumar para um qualquer lugar mais seguro!! A noite finalmente caio e dei por mim a caminhar num "sendeiro” pelo meio de uns canaviais que me despejaram no meio de um “bairro cigano”...Não transpareci, mas fiquei todo acagassado!! Senti-me um atleta numa qualquer prova olímpica, com as bancadas cheias de gente com os olhinhos postos em mim!! Com a única diferença que estes não acusavam apoio e incentivo, mas sim desconfiança e espanto!! Eu acho que só sai dali com a roupinha no corpo e restante bagagem porque os gajos pensaram: “bem, este ou é mais perigoso que nós, ou é muito parvo”!!!

Lembro-me que o caminho piorava à medida que me ia aproximando do avolumar das luzes de uma povoação que parecia mais perto do que realmente a distancia ia revelando. A noite estava escura como breu. Valeu-me uma lanterna que auxiliou os meus olhos quando estes não podiam ver o caminho. Pelo meio ainda interrompi um casal que estava a testar a suspensão do carro!! Mais que compreensível, depois de constatar o estado do piso em que caminhava! Pararam o teste quando passei, e recomeçaram quando já estava distante!! Lá tiveram as suas razões!! Cheguei à povoação já passava da meia noite, e a única informação que consegui acerca de um possível parque de campismo para pernoitar, e pelos vistos falsa, foi-me dada por um grupo de bacanos que estavam entretidos a fumar umas ervas aromáticas. “É já ali ao fundo daquela rua!!” Batatas!!! Andei ás voltas durante mais de meia hora e nada de “camping”!! Mas mês Agosto em Espanha, até de noite o calor aperta. Encostei a mochila num banco de jardim para fazer de almofada e ferrei um soninho mesmo ali no banco. Para quem não queria dormir na praia com medo da chuva o banco de jardim não está mal! Acordei lá para as 3 da matina com os mesmos bacanos a rir que nem uns perdidos a perguntar-me se estava tudo bem!! Lembro-me de responder: “ya meu tas bem. Estou á espera que nasça o dia para ir ali pá borda da estrada pedir boleia!!” Ainda ouvi um deles murmurar: “és louco”!! Acenderam mais uma ervinha, soltaram uma gargalhada, e deixaram-me ferrar mais uma soneca, só interrompida ocasionalmente para mudar de posição!! Acordei cedinho.... Todo escavacado! Malvado banco!! E pus-me à boleia para Barcelona!!